- Dei-lhe o nome “Ode à Teofagia”. Os cristãos sempre lembravam a nossos antepassados indígenas, que comer outro homem era pecado, só não os revelaram que não era proibido comer o deus branco, diariamente, nas missas. Um viva ao paradoxal! Sem ele, é impossível fazer poesia!
Abelardo sentia-se outro. Um sentido novo havia se apresentado, e também um novo romance, tudo de maneira tão repentina, mas e modo igualmente impetuoso e voraz, que ele agora estava radiante. Mesmo com as serias dificuldades que atravessava naquele instante, ele estava confiante. Sua arte estava à serviço da denúncia da realidade, esta tão angustiante para alguns, plena para outros. Iria para Olinda, estava decidido.


Santiago chegou ao seu quarto de madrugada. Não estava sozinho. Ao sair do jornal depois das dez, resolveu, juntamente com Sotero, Augusto e alguns funcionários tomar algumas cervejas no cais do porto. Contumazes nesta prática, os amigos sempre que podiam estavam a beber, usando este tempo para saciar a sede e observar as paisagens que somente o Recife possui à noite. Augusto disse que “em nenhum lugar no Brasil a noite é tão peculiar, tão chamativa”. As ruas estreitas do bairro de Santo Antônio tinham ares daquelas ruas medievais... curtas, vazias; sobrados inquietos escondendo vidas em seus interiores , que àquela hora estavam a dormir, ou a providenciar braços para o regime, tetas para o regime. Caminhar por aquelas ruas na madrugada significava, na visão de Santiago, andar diante de uma platéia incógnita, ali presente mas calada, pia. Chegaram ao bar e logo avistaram algumas moças freqüentadoras do lugar. Sotero identificou algumas, chamando-as para a mesa e pagando-lhes uma bebida; Augusto, sempre calado mas atento, espiava de longe uma outra morena, que servia os fregueses do recinto; Santiago preferiu comer alguma coisa e beber, não estava esperando aventuras para aquela noite...
Algumas horas depois, o bar estava fechando, apenas a mesa onde Santiago se encontrava estava ainda ativa. Sotero e Augusto estavam ocupadíssimos, e apenas o poeta mantinha-se solitário. Quando deu por si, uma apetitosa morena vendendo flores no café ao lado. A noite era para ele um momento de vislumbrar estas vidas que usavam a penumbra dos candeeiros e o burburinho das gentes embriagadas para não revelarem seu brilho, temerosas dos contratempos que este brilho pode trazer. A mulher, que deveria ter uns 23 anos, era belíssima, espécime absolutamente rara , morena e de feições magníficas, trazendo consigo um buquê com algumas flores, em sua maioria rosas e jasmins, delicadamente embaladas. Tinha realmente um aspecto sofrido, mas que era facilmente transfigurado ao menor sorriso, ao menor levantar de cabeça. O encanto daquela pobre vida, que em meio às pilhérias e acenos indiscretos dos homens dos bares tentava sobreviver vendendo suas flores arrebatou Santiago, não permitindo defesa. Este, num misto de vislumbre e revolta por tal condição, finalmente reuniu forças e chamou a jovem. Esta veio.

- Senhor, não quer comprar flores para a sua pretendente? – disse docemente a florista.
-Por favor,sente-se, vejo que estás cansada do trabalho. – disse Santiago.
-Não posso aceitar o convite. Estou trabalhando, como bem disse o senhor, e não costumo assentar-me com estranhos.
-Ah, sim, claro, perdão. Fui rude em não me apresentar. Santiago Azevedo.
-Prazer, chamo-me Antônia. Preciso ir.
-Não, quero dizer, fique, eu compro todas as suas flores.
-Mas aí não parecerá trabalho, mas já que o senhor comprará todas as minhas flores, sento-me.
- Não pretendo ser deselegante com você, apenas percebo seu cansaço e pretendia pagar-lhe algo para beber, talvez comer.
- Sim, aceito.
Santiago não pode deixar de perceber o corpo da bela Antônia. Estava com um vestido de alças, seus seios á mostra, médios... mamilos rijos pelo frio da madrugada, não poderia deixar de perceber, mesmo com tantos pensamentos condenatórios; estava alto pela bebida, e isso o deixava ainda mais excitado com aquela visão angelical.
- Onde você mora, Antonia?
- Moro nos casebres á beira do rio. Somos eu e mais uma tia, que também vende flores. Dizia isto devorando pão e algumas fatias de defumado e chá .
- você não teme as ruas?
- Sim, as temo. Mas o que devo fazer? Não tenho posses, nem dotes, preciso comer. Com aquilo que ganho vendendo estas flores como para no outro dia trabalhar para comer novamente, esta é minha sina. Os senhores que estão aqui não podem dizer o mesmo, são fidalgos, gente importante. Mal nos percebem, a nós os moribundos.
- Falas como uma poetisa. Nunca te vi por aqui... realmente poderia eu estar embriagado e não tê-la notado, o que realmente torna-se um pecado a mais para mim.
- Falas como alguém que pretende galantear uma dama. Realmente agradeço ao senhor seu préstimo em me servir comida e bebida e em comprar minhas flores, volto para casa mais cedo hoje, satisfeita.
- Pretendes ir agora? Levo-te à tua casa, se permitires.
- Não precisa incomodar-se, senhor Santiago. As ruas são meu reduto, meu universo íntimo. Somos muitos nestas vielas e becos. Os ratos nos guiam até nossos lares, pois lá também se escondem do frio e da falta de víveres. O senhor não precisa ter essa sensação desagradável... ir ate minha choupana.
- Antônia. Estou ébrio, mas posso falar algumas coisas sensatas. Em meio a estes homens e mulheres reunidos, nada se compara a você. Uma vida inteira não seria capaz de aplacar esta visão, esta verdadeira dádiva que me foi concedida. Sim, sou poeta,e os deuses não me são bem quistos, mas hoje eles apresentaram uma pequena parte de seu séquito a mim. Somente eu pude ver isto? Oh, como estou feliz!
- O senhor fala de maneira sublime, doce. Os homens com os quais me deparei estão acostumados a atitudes ríspidas, indiscretas. Não sou realmente o que o senhor acaba de dizer, sou uma mulher que sofre, e que não tem tempo para contemplações estéticas. Bem, vou indo agora, agradeço mais uma vez.
- Insisto. Deixe-me acompanhá-la até sua residência. Peço.
- Os poetas são difíceis e interessantes. Não se dobram às conveniências e aos costumes, fazem aquilo que lhes compete a mente, tratam a realidade ao seu modo, a sua maneira. Persistência e audácia são seus fiéis instintos, e não sossegam enquanto não desbravarem o contrário, o proibido. Está bem, senhor Santiago, se queres minha condescendência para vir, a tem. Pelo tempo que nós travamos ciência um do outro, não poderia emitir juízos de valor a seu respeito, mas seguramente posso adiantar que o senhor é extremamente galante e cavalheiro, alem de sensível às dores particulares.
- Agradeço esta sua análise, embora não participe de alguns pontos de vista seus, mas isto pode ser discutido no caminho, vamos?
Os dois saíram. Estavam nas imediações do Observatório tinham um longo caminho ate chegar ás palafitas localizadas na Rua da Aurora. Continuaram a dialogar, quase sempre aos risos; Santiago estava visivelmente bêbado, mas conseguia reunir forças e equilíbrio para não tropeçar, Antônia estava, vez ou outra, acudindo o rapaz. Atravessaram a ponte Buarque de Macedo e chegaram ao Campo das Princesas. Antonia achava aquela arquitetura belíssima, os palácios e o Teatro de Santa Isabel realizavam harmonicamente um agradável conjunto; queixava-se também das oportunidades não concedidas ao povo para desfrutar daqueles prazeres. Questionava Santiago o motivo de tamanha desigualdade, tamanha ojeriza ao povo por parte da elite. Não conseguia entender um mundo , criado por um único deus, que, segundo ela, depositou amor igual, sem mensurar um ou outro individuo, esta criação feita pudesse dar em tamanha disparidade , tamanha falta de sensibilidade. Era crítica, tinha um tino apurado, consciente em visualizar os problemas humanos locais. Certamente não tinha instrução acadêmica, mas relatou que gostava de ir, às vezes, para frente do gabinete português de leitura para tentar entrar e ler alguns livros. Ia com seus melhores trajes, pois sabia que ali as pessoas eram de bom trato, mas nunca foi permitida a sua entrada. Então saia pelas ruas a ler jornais velhos, ate alguns livros que encontrava pelo caminho. Santiago ia ouvindo tudo aquilo e combatendo agora os efeitos maléficos do álcool, que naquele instante o atrapalhavam em estar atento ao que aquela mulher fascinante dizia. Sentiu, mesmo neste estado, um ódio repugnante pelas oligarquias, por aqueles homens aos quais ele estava denunciando e criticando no jornal, um ódio amargo, que não era de seu feito sentir, mas que agora possuía toda uma lógica de existir. Aquela moça, tão bela, tão jovem, e milhares de outras vidas também jovens, velhas, fortes e frágeis, vidas sempre empurradas para o lodo, para o sal, para o amargor de uma existência sem oportunidades, sem revanche. Sabia que Antônia era um exemplo de negligencia, de descaso, e, num impulso momentâneo, disse:
- Antônia, gostaria de ir até minha casa, para que eu lhe mostre algo?
- Senhor Santiago...
- Prometo-lhe não lhe constranger com nada. Apenas gostaria de mostrar-lhe algo que você certamente vai se interessar bastante.
- Então sim, podemos ir. Mas não posso demorar-me muito.
- Tudo será bastante rápido. Venha.
Foram pela ponte Princesa Isabel com destino á Rua da União. Ao saber da proximidade que estavam durante todo aquele tempo, Antônia sorriu, significando como as coisas eram realmente engraçadas em relação a ela. Sua casa ficava ao final da Rua da Aurora, numa comunidade de pescadores localizada ali. Santiago, na rua da União, não sabia a existência daquela comunidade, daquele lugar onde a vida insistia em fincar solo, e prontamente resolveu, depois, ir até lá para documentar aquela realidade e mostrá-la no jornal. Chegaram enfim ao numero 33, entraram e Antonia logo percebeu do que Santiago estava falando quando a convidou para ir à sua casa.
- Nossa! Quantos livros! Também quanta bagunça, senhor Santiago... He He He . são muitos, o senhor já leu todos?
- Não, não todos. A leitura é algo que se deve tratar com parcimônia, com delicadeza. Compro todos os livros que posso e depois, aos poucos e com igual dedicação, procuro sorvê-los a cada um. São meus companheiros, já que moro sozinho aqui.
- Um exemplar do jornal O recife. O senhor gosta de lê-lo também?
- Sou um dos editores do jornal, Antônia. Vamos, sente-se.
- O senhor é um dos editores. Eu muitas vezes leio este jornal, ele é muito mais acessível aos que possuem pouco, por isso temos condições de comprá-lo. É diferenciado, possui um texto narrativo interessante, as notícias são colocadas de maneira a que se possa compreender não só o fato, sua inteireza, mas também suas causas, suas relevâncias muitas vezes obscurecidas por uma má fé jornalística, muito bom, senhor Santiago, o senhor nos presta um grande serviço.
A forma como Antonia se portava, suas imposições de voz, seu vernáculo polido, não podiam estar mais destoados da sua realidade. Santiago estava confuso, e ao mesmo tempo envergonhado de realizar maiores escrutínios com ela. Não conseguia ver qualquer conexão entre seu estilo de vida paupérrimo e sua erudição evidente. Quem era aquela mulher? Ela tocava nos livros com tamanho cuidado, tamanha paixão, não poderia ser... não que as pessoas mais humildes não estejam habilitadas a conhecimento, à sensibilidade, mas aquele caso era bastante peculiar, intrigante até. Santiago deteve-se mais um pouco enquanto Antonia folheava alguns exemplares; havia escolhido para isso Dante, Molière, Álvares de Azevedo, Kant. Não, aquela mulher era de outra origem. Este enigma o interessou ainda mais por aquela mulher deslumbrantemente bela, sagaz e , agora, misteriosa... radiante.


No dia seguinte à publicação daquela matéria, a cidade acordou com esta réplica escrita pelo editorial do “O Recife”:

“Cidadãos do Recife,
Certamente respiramos novos ares. Nossa cidade, dominada sempre que foi, durante séculos, por uma aristocracia ensimesmada e repleta de más intenções, vem sofrendo duros golpes. A imprensa, coisa que tratamos com o maior cuidado e liberdade, quando não usada com esmero serve muitas vezes para este propósito malévolo: a castração de idéias, de opiniões, de sentimentos muitas vezes verdadeiros e sinceros vindos da sociedade, desprezados pelos grandes e poderosos, estes mesmos que sempre estiveram no topo. Isto reflete a necessidade de mudanças urgentes nos mais variados campos do convívio humano; nossa política é atrasada e crua, somos decrépitos caudilhos em meio a regimes de governo mais modernos e direcionados para uma maior consciência democrática. Obviamente, e os senhores devem concordar conosco, num ciclo de poder, aqueles que estão ameaçados fazem de tudo para se manterem a todo custo em suas cômodas posições. E quanto sofrer é gerado para que esta manutenção se concretize! Nós, os leigos, estamos largados às ruas, pedintes, maltrapilhos, vivendo na mais degradante miséria, sentindo na carne e no estômago o fardo pesadíssimo do Império caduco, da morbidez de uma nobreza inativa, repleta de títulos nobiliárquicos, remontando os idos da Idade Media com a pompa dos cavaleiros e das donzelas, dos reis poderosos e do Clero presente. Aliás, o Clero mantêm esta aparência altiva, grandiosa, vista nos templos nossos do Recife e de outras províncias, a renovação constante dos clérigos, todos muito moços, havendo ainda aquela detestável opção por parte das famílias de encerrar os pobres mancebos nas masmorras dos seminários e conventos, talvez receosos em seus desejos adolescentes. Fachada ignominiosa, podre, vil, onde o amor e o perdão, condições impostas pelo Cristo, de longe passam pelas portas dos monumentais palácios episcopais. As autoridades eclesiásticas, estas servem apenas de figuração a uma ordem metafísica duvidosa,sem escrúpulos, sedenta por poder e domínio, quase não se mexem; se vêem um irmão a necessitar de auxílio, nem ao menos o olham, seguem seus caminhos olhando para cima, para os santos e papas que já morreram, invejando-lhes a condição, pois não tinham a necessidade de cruzar com espécies tão abjetas e torpes quanto os mendigos. Nós, editores do jornal “O recife”, não estamos interessados em repudiar a fé, algo tão presente nas mentes e nas tradições populares, o que rejeitamos com todo o vigor é a capacidade esdrúxula de alguns párocos de enganar, de vilipendiar a convicção de muitos, tornando-os vitimas de suas próprias ilusões errôneas, não por conta dos fiéis, mas sim devido à falta de caráter e de responsabilidade de Roma em não rever certas condutas, certos trejeitos hediondos. Nossos políticos não se saem melhor. Servis homens, entregam-se ás facilidades da vida nobre, tendo um imperador medroso como moderador de tudo. Estes, donos de vários periódicos de nossa região, usam estes veículos das maneiras mais extravagantes em nome de suas ambições. Na surdina da noite, trabalham para afundar ainda mais nossas vidas, não permitindo que participemos das decisões, das riquezas e da fartura que buscam. Amigos, somos brinquedo nas mãos destes vilões, e, por estes dias, o nosso jornal vem sofrendo as maiores represálias por não compartilhar com tamanha sujeira, imundície já impregnada nestes indivíduos; somos pequenos, estamos apenas em nosso alvorecer, mas já incomodamos, já estamos em pleno campo de batalha, denunciando as vilanias , as deturpações, mostrando os problemas e ajuizando soluções, pois é disto que se trata um meio jornalístico serio, preocupado com o cotidiano, olhando como aves de rapina para cima, sempre avante, envergando novos vôos. Conhecemos o povo do Recife por afinidade verdadeira. Somos também vitimados, somos também humilhados, temos os mesmos problemas, os mesmos assuntos em comum. Também somos povo, o sangue que corre em nossas veias, é o mesmo que também vibra em vossas artérias. Recife é nossa! Esta cidade, que acolhe bem aos que chegam, que é mãe dos desvalidos das ruas, este que é o mais belo rincão do Império, não deve ser palco de torpezas e de mentiras oriundas dos poderosos donos da moral e dos costumes mofados, insanos e antiquados que vivenciamos hoje. Os senhores, que nos prestigiam com a vossa atenção e credibilidade, entendem o nosso diálogo, entendem a nossa indignação em sermos vilipendiados pelo simples fato de trazer o novo, aquilo que é do interesse comum, as discussões, os questionamentos, a diversão, por que não? o homem necessita de gozo, de arte, de música, de verso e prosa, necessita disto pois estas considerações fazem parte de nossa vida, a complementa. Somos banalizados, mas acreditamos que os leitores desta cidade hão de fazer jus à coerência e ao bom senso que sempre detiveram. Obrigado a todos!” – Santiago Azevedo & associados.

- Ah, matreiro! Pensávamos que ias ficar lá em teu quarto, macambúzio, chorando pelos cantos, mas a situação é bem diferente. Vem , assenta-te conosco! – Sodré, um amante da poesia e fiel amigo de Abelardo.
- Obrigado, Sodré. Realmente cedi ao apelo da vida, esta que tanto me faz sofrer por seus reveses, mas que sempre traz-me outras compensações. Estar com meus amigos é realmente um amenizar constante.
- O que tens feito em tuas andanças literárias? – disse outro amigo próximo, Plínio Moura.
- O de sempre, Plínio. Escrever poesia não é tão simples como aparenta. Quando não há versos na cabeça os dedos doem, os olhos se negam a observar o papel, as pernas urgem uma saída estratégica. Não existe hora, lugar, ocasião ou vontade, quando este senhor do poeta se aproxima, logo sabe-se pelo seu aroma, que pode ser pútrido, anunciando algo desolador, uma visão de caos e lamurias, ou um amor perdido e irrecuperável, ou vir de maneira olorosa, sutil, quando as vertigens do melhor do homem se expressam. Poesia é perder-se na imoralidade de não ter hora. Aliás, o que pensam de mim as pessoas desta cidade, Plínio? Faço de ti o meu Pedro... o que pensam de mim?
- Desde aqui da Praça Joaquim Nabuco até os rincões do cais do Apolo tua poesia tem sido comentada. Andam a falar de um andarilho, muito belo e também talentoso, vindo de Salvador e perdido em Recife, em meio aos fétidos becos dos bares e cafés, sempre embriagado, sempre falante, a versar coisas muitas vezes incompreensíveis, mas belas. Isto eu ouvi dizer de ti.
- Isto é descabido demais. Acaso produzo textos incompreensíveis? Sim, deve haver incompreensão nas mentes beatas, nos cérebros atrofiados dos tolos sem ilusões, das matronas cheias de si. Isto que digo é incompreensível realmente. Não entendem o que o bardo canta? Os ouvidos têm cera moralista? Se tiverem, afastem-se! Retorcer as palavras, entender o que não se escreveu... Recife está assim tão simplista? Gregório! Velho safado! Tua alma maldita ainda paira por estas ruas? Morrestes aqui em meio aos mangues... ainda perdes o teu tempo nestas ilhas repletas de moscas? – Abelardo gritava, exasperado.
- Acalma-te, homem! Não entendem teus propósitos, paciência! Tens muita coisa escrita?
- Alguns cadernos, sim. Tenho fome, Plínio. Estes versos poderiam, pelo menos, ajudar-me a ingerir um bocado de pão com um copo de água, mas nem isso... e tudo por conta de comentários esdrúxulos como estes... também como, preciso comer...
- Tragam alguns pães, presunto defumado e uma garrafa de vinho. Ficarás bem, Abelardo, tua arte é grandiosa, somos teus admiradores, não? Estás entre amigos. Anda, onde estão os pães?
- Agradeço a todos vocês. Sodré, companheiro de longas discussões, Plínio, amado agora e estimado para sempre, todos aqueles que acompanham esta carcaça. Pretendo mudar-me mais uma vez.
- Para onde pensar em seguir? Para muito longe? Não temos ouvidos o suficiente para ouvir-te se fores para ale-mar ou outra província. – bradou Sodré.
- Vou-me embora para Olinda. Estive lá a convite de um professor que viu minhas declamações aqui no Recife, no café Solaris. Ele prontamente disse-me que, acaso fosse à Olinda, não deixasse de ir ter com ele. Fui. Ele mostrou-se um excelente companheiro em vários assuntos... se é que vocês podem me entender...

- Isto é bem o teu jeito, Dioniso!! He He He. Conta-nos mais.

- Este professor, de quem falei a pouco, chama-se Tomás Pinheiro. Ele sempre está ás voltas pelo recife, segundo ele “ para apreciar in loco o que vejo apenas de longe, da cidade alta”. Sua casa é modesta mas bem agradável, fica no cume da ladeira da Misericórdia, de lá é possível ver o recife, belíssimo, à noite. Neste ambiente furtivo, bucólico, as ambições sexuais afloram de assalto, e sabendo bem que ele, já de meia idade, olhava-me suspeito, não tive qualquer dúvida, abordei-o e não me decepcionei. Faltava apenas a poesia neste instante, e ela veio, mas sem qualquer relação com a noite feliz que tive. Vi, bem cedo, em frente a igreja da Misericórdia uma multidão de fieis indo tomar o seu café diário das mãos do pároco, aquela misera óstia, que para muitos é o próprio Cristo. Consternei-me diante daquilo. Eram muitas as almas que iam àquela hora da manhã ouvir os repetidos ofertórios e ladainhas oferecidos a tanto sacrifício pastoral. Não tive qualquer dúvida, era a hora de relatar aquilo; não havia ainda me questionado sobre este assunto, e naquele momento eu estava tão leve, tão absorto em sentir meus músculos ainda contraídos, ainda envoltos em prazeres aos quais havia me deleitado, ter aquela visão fez-me entender que posso usar esta senhora adorável – a poesia – como instrumento positivo de mudança, como agente revelador de emaranhados obscuros impostos pela superstição. Tomás estava ao meu lado. Falamos um pouco sobre o assunto e depois descansamos. À tarde, logo após o almoço, pari estes versos:

“Quem olha o cristão romano,
Não se apercebe do que ele realiza
Em suas missas repletas de gente,
Ocorre a cerimônia
Da ingestão divina.

Deus, criador do mundo,
Padece em bocas cheias de cárie
Das beatas matronas,
De várias formas Ele é mastigado
Engolido ás pressas, pois a fila é grande.

Um simples lembrete daquele que na cruz tudo sofrera,
Se transforma num espetáculo miraculoso
Nas mãos dos sacerdotes rotundos.

Grande ápice do encontro,
Trigo amassado vira deus
Vinho ou suco de uva barato,
Substituem o sangue caro ofertado
Num emaranhado dogmático,
A tolice instalada.

Lá fora acompanho a fome dos mendigos,
Que lá dentro da capela estão a comungar
Felizes por ter a Cristo no estômago,
Seu corpo na boca, a desfazer-se.

Sacerdotes contentes por exercerem
Os mistérios santos, tolice velada,
E Deus, pobre criador, a perder matéria diariamente
Nas bocas cristãs cheias de cárie.”

Na rua da União, Santiago preparava-se para sair. Tinha uma reunião na sede do mais novo periódico da cidade, “ O Recife”. O folhetim havia se transformado em um jornal diário, onde o jovem poeta e alguns outros colaboradores escreviam resenhas sobre livros , tratados filosóficos, a política do Imperio e da Província, além de uma seção dedicada exclusivamente para a literatura local, contos ou poesias. Não havia qualquer impedimento político, religioso, social para as participações. Conveniou-se entre os que faziam o trabalho que todas as opiniões poderiam ser dadas, desde que com fidedignidade jornalística e conteúdo instigante e questionador. A proficuidade e o crescente numero de assinantes e comentários em toda a cidade fizeram com que o jornal se tornasse assunto corrente nas bocas recifenses, e insônia para os grandes editores e mencionados no periódico. À noite, iam ter nos bares as iluminações necessárias para escrever. Santiago era o mais ávido dentre eles, consumindo-se prazerosamente em discussões, pautas, em produzir material para ser impresso. Como disse, isto já estava incomodando certos setores da sociedade local, bem acostumados com uma forma mais amena de ler nos jornais os assuntos do cotidiano. O Comendador Demóstenes Sobral, detentor dos jornais “ Gazeta Pernambucana” e “Diário de Notícias”, era o grande mentor de tudo isso. Este homem, poderoso e com influências em toda a província e quiçá em todo o Império, era responsável pela formação da opinião pública local. As tiragens destes periódicos eram gigantescas; as bancas, repletas de gente comum ou diferenciada, eram lotadas daqueles que faziam questão de acompanhar o que se passava na cena recifense através destes veículos, adquirindo este conteúdo. Seus colaboradores eram, quase sempre, grandes comerciantes, advogados de renome, políticos e até a Igreja. Tudo era feito para manter “ uma estabilidade social que, em muitos lugares,não é possível sem uma imprensa atuante e solidária com os anseios da classe dominante”.Foi num destes encontros que o assunto abordado foi diferente...
- Senhores, estamos diante de dias preocupantes. É do conhecimento de todos que um novo periódico diário, um tal "O Recife". Está nas ruas, atraindo a atenção das pessoas. Seus idealizadores? Jovens artistas e universitários ociosos, que resolveram brincar de jornal, bem aqui, em nossa cidade. O que chama a atenção é a forma como este é escrito. Indecências, atrevimentos contra autoridades reconhecidas do Império, incitação ao livre pensamento, à desordem e até ao ateísmo. Sabemos como o povo se comporta. São tão libertinos quanto estes que os instigam. Continuando desta forma, certamente tudo estará perdido. – disse o senhor Plácido Alves, comerciante de tecidos e membro da junta comercial.
- Este é o maior problema... o ateísmo... estes jovens abomináveis vêm questionando as verdades sagradas da Santa Sé, com o intuito de envolver nossa doutrina em diminutas proposições humanas. Esta forma suja que escrevem, sem o devido cuidado com as coisas santas, já irritou até o bispo. – o padre Coutinho, diretor do Colégio Sagrado Coração.
- Isto não vai ficar impune. A confusão está instaurada em nossa cidade com a publicação desta afronta; temos os nossos meios para deter este avanço de imoralidade e mentira disposta por estes lascivos. Deixem estar. – disse o comendador Demóstenes.
“O Recife” ficava na Rua das Calçadas, num sobrado simples. Estava desativado há alguns anos e era perfeito para a montagem de uma pequena redação, no primeiro andar, e prelos para impressão dos jornais e uma pequena expedição no térreo. Santiago estava à frente da idealização e do projeto, sempre discutiu com os amigos acerca da criação de um veículo que fosse moldado segundo os ideais de liberdade de expressão e pensamento que não se achava em Recife. O objetivo, dizia ele, era “ desmascarar as velhas toupeiras, retirar o mofo a muito impregnado da notícia local, maquiada e sempre revisada para beneficiar a uns poucos caudilhos da política ou da religião”. Viam naquele esforço uma forma de liberar mentes, não um meio de ganhar dinheiro. A renda do trabalho era destinada para a aquisição de novo maquinário, matéria-prima e pagamento dos funcionários. O valor do periódico era acessível ás classes mais baixas, com isso o povo tinha a oportunidade de adquirí-lo.

- Parece-me que as coisas estão esquentando, Santiago – disse Sotero. Há boatos por toda a cidade de que nosso jornal está ferindo os brios de alguns homens de poder. Eu comprei o último número do Diário de Notícias e veja o que está escrito já no editorial: “ À população e aos homens de bem, convêm alertá-los sobre o absurdo que está sendo colocado na cidade há alguns meses sob forma de um periódico descuidado chamado “O Recife”. De imaginação pérfida, este jornal vem sendo publicado diante de nós com as mais descabidas mentiras e licenciosidades nunca antes imaginadas nesta capital. Jovens universitários, sem nenhuma experiência jornalística, aproveitando-se de suas imaginações férteis e hormônios excitados, distribuem farpas para todos os lados, sem a devida investigação, que é praxe nos meios de comunicação sérios. As autoridades, as legislaturas, o Presidente da Província, o Clero, todos são alvos desta súcia torpe e insana que brinca de notícia, como se isso de instigar fosse algo correto e ordeiro. Com suas palavras maliciosas, zombam da boa família, dos costumes recebidos pelos nossos pais, da civilidade e principalmente das instituições honradas do Império. Até o Imperador não fica de fora! Ateus que são, fazem pouco daquilo que consideramos sagrado, dos sacerdotes que são vitimados por suas idéias iconoclastas e hereges. Qual o propósito de tamanha fúria, tamanho descontrole? Uma ordem estabelecida não pode conceber esta afronta contra a moral e a verdade. Esta barbárie verbal, direcionada aos que sempre foram a favor da liberdade e da igualdade não pode ficar impune. Com os editores do “O Recife”, a palavra.”


Abelardo Souza Dantas era soteropolitano. Aliás, era a única coisa conhecida sobre ele. Aportou no Recife há alguns anos e, aqui chegado, vivia pelas pensões da cidade e em outros quartos das pessoas que ia conhecendo. Rapaz de olhos provocantemente amendoados, robustez física e linguajar erudito, era facilmente percebido por todos; andava ao seu modo, e como as circunstâncias assim o delegavam: calças de um envelhecimento notado, sobretudo roto, camisas amassadas e igualmente velhas e botas surradas pelo contínuo caminhar pelas ruas. Tinha cabelos belíssimos, realmente contrastantes com sua situação paupérrima. Seu rosto era de uma beleza ímpar. À noite, gostava de circular pelas ruas boêmias com diversas companhias diferentes... diversos rapazes e moças diferentes – estes, perturbados com o chamativo jovial e belo daquele rapaz. Os bordéis e cafés eram seus locais de encontro e relações furtivas, aí realizando contatos os mais diversificados, com artistas, atores, músicos, poetas, putas, traficantes de raxixe e outras drogas. Tinha no sexo uma compensação pelos dias difíceis, e aproveitava cada instante de prazer de maneira solene. Os rapazes eram o seu melhor passatempo. Dizia que “a mocidade e a virilidade dos efebos recifenses eram tão gloriosas e febris quanto os da Grécia de Platão ou a Roma de Calígula”. Não dispensava estes corpos que eram tão familiares quanto os dele mesmo “posso tocá-los como bem entendo, pois em tudo se parecem com o meu”; seus relacionamentos eram sempre intensos e provocativos, e ele absorvia tudo, como uma esponja em meio à água derramada. Neste estado de coisas sentia-se revigorado, gostava da sensação do absoluto, da liberdade criadora, do esforço por embriagar-se cada vez mais, de deitar cada vez mais. Naquele torvelinho de gente trôpega, ele via seu lar verdadeiro. Sua juventude o concedia força suficiente para a empreitada, esta sempre renovada a cada noite, e a todo tempo. Considerava-se poeta. Tinha sempre alguns escritos consigo, e imaginava sempre outros. Recitava seus versos na noite, por onde andava, para os amigos, nos quartos, para os amantes, com vontade e paixão. Era realmente a sua arte, o seu quinhão dado pelas Musas para o deleite dos que tinham ouvidos para ouvir. Romântico, sarcástico, imprudente, ate mesmo herege, ele criava a bel prazer sem conveniências, sem retoques, sem rotulações estéticas, fazia como vinha em sua mente, versos livres e cheios de força, ímpeto vertendo de sua voz e de seus dedos a cada verso composto e dito. Certa noite, com convivas em um café perto da pensão onde estava naquele momento, recitou o seguintes versos:

"Eis que agora mesmo vi uma dama tão distinta,
Que andava apressada, como se ocupada estivesse.
Olhou-me fixamente, e eu a fitei de pronto,
Ela, em seus trajes galantes,
Eu, andrajoso e sedento.

Já percebida de que a olhava com ânsias de desejo,
Não perdia a elegância, sóbria parecia,
Com a máscara da candura enganava tolos amantes,
Despia-se diante de mim em excitação plena.

Quis aproximar-me, e assim violar preceitos sociais
Inquebráveis nos negócios, na fé e nos chás da tarde
Mas não no amor, onde todos somos apátridas, hereges,
Onde todos pecamos com vontade inculpável.
Sendo pobres, ricos, cegos ou coxos.

Senhora distinta e bela, sei o que pensas...
Gostas de imitar os eqüinos em teu prazer carnal,
Seios fartos, ancas brancas, clitóris umedecido,
Boca sugadora, carnuda e violenta.

Tens tua face carregada de luxúria inflamante,
Desejas meu falo, quero dar-te...
Pretendes meu corpo nu, ofereço-te...
Uma escravidão concedida, para num momento usufruí-la.

Pensas em teus conceitos nobres,
Não te deitas com mendigos
Preferes os fidalgos, com suas tépidas investidas
Sempre atrasados, frios, desconfiados.

Não! Adoras o frenético movimento,
Do completar do teu vazio entre tuas pernas,
Abertas, a convidar
A qualquer um que te desperte gozo,

A verdade? Queres os rôtos,
Queres provar o que vem da imundície das fétidas ruas,
Tua curiosidade se alia a teu desejo lancinante
Pretendes receber quente esperma, oriundo dos lacaios da rua.

Tu olhas para mim, vês-me sujo, maltrapilho,
Espojar-te-ias em mim como abelha no pólen
Como cadela em pleno cio, a banhar-te em meu sêmen,
És bacante, teus olhos dizem-me.

Aceita-me em teu séquito de miseráveis,
Eu comeria-te inteira, teu amouco devorador
Antropofagia permitida, renovada a cada olhar,
Deseja-me, posso ver... já não és tão casta para mim.

Vem, aguardo-te!
Leva-me em teus pensamentos, sonhos banhados em suor,
Permita que sacie tua fome desesperada,
De um macho viril, a te contorcer lancinante.

Eis que agora vais embora,
E logo vem mais uma descendo as ruas, donzela recifense,
Nova pulha, novo engodo,
Membro rijo, espero esta que preencherá o vazio

Deixado por aquela, que no ajeitar do vestido
Continua a olhar-me...”

- Ahh, Abelardo, praticas bem a alquimia verbal, tens no sangue estes versos que nos atingem com tamanha avidez. Recitas outro! – disse um dos presentes.
- Vejo que gostaram. Vocês são de minha estirpe, apreciam os gostos terrenos com a propriedade que estes requisitam, e a poesia faz parte destes deleites. Onde está o Meira?
- Foi ter com uma dama, á rua... He He He He
- Devasso! Estava comigo aqui, a bolinar-me, antes de recitar, e agora, em minha ausência, aproveita para caçar... maroto, muito maroto este meu amigo! Bem, tenho mais comigo destes episódios poéticos, mas não serão ditos hoje... a noite inicia-se, e temos que sair à procura de inspiração, de ambrosia líquida e esfumaçada, vinda das garrafas e dos cigarros. Certamente os senhores terão a oportunidade de conviver com mais estórias destas.
Saiu depressa a procurar Meira, enraivecido por tal afronta. Este rapaz era seu amante. Filho de um grande comerciante local, vivia pelos bares e cabarés usando seu dinheiro para entorpecer-se com raxixe e absinto; estudava direito na Faculdade do Recife e era conhecido pela sua facilidade em arranjar e desprezar amantes. Quando finalmente o encontrou, estava em um beco com uma mulher, que lhe conferia oralmente os atributos do seu sexo. Disse-lhe:
- Meira, nem ao menos disseste para onde irias. Se me tiveste dito que irias despejar teu sêmen na boca das meretrizes da cidade, eu bem entenderia, já que é isto o que sabes fazer de melhor, não é?
- Ora, Abelardo, não estragues este momento... ahhh, um pouco mais forte, sim? Ahhh , desta forma está excelente... boa menina! Boca suave tens... sugas-me deliciosamente...
- Não faço isto para ti todos os dias, maldito? Não sugo o resto daquilo que desperdiças com estas? Não te culpo, és pervertido como eu mesmo. Sou eu o meu próprio algoz... tenho o péssimo habito de amar... de doar-me aos mais incautos amantes... deixo-te a terminar esta sujeira... depois, num movimento involuntário, pergunta: Vens á pensão hoje?
- Creio que não. Ahhh... querida, foste magnífica! Vejo-te depois, certamente hoje entraste em meu rol de amantes. Não te esqueces de mim? Hum? Limpa-te... isto. Vejo-te depois. Abelardo... preciso conversar contigo.



Saíram dali e foram para o café, onde o restante dos amigos ainda estavam. Os dois, reservados, dialogaram por horas a fio, até o momento em que Abelardo, com fúria não conhecida, desfere um golpe, munido de uma garrafa, contra Meira. Este, caído e sangrando muito, é retirado ás pressas. O agressor, atônito, sabendo o que tinha feito. Sai fugido e naquela noite não é mais visto. Alguns dias passaram-se após aquele episódio, e Abelardo não foi encontrado desde então. Havia saído da pensão onde estava, à rua do Hospício, indo para o outro lado do rio, estabelecendo-se na Rua dos Judeus. O dinheiro estava começando a escassear. Não possuía trabalho, achava a vida proletária um absurdo, um não-viver, uma negação à vida e à plenitude deste movimento. Recusava-se a aceitar aquela que era a fatalidade das gentes – o trabalho – fruto de ânsias demasiadas, expectativas no futuro... o futuro... quem poderia vislumbrá-lo? Adivinhá-lo seria incômodo e triste; vidas sãs seriam desgraçadas por tais visões do porvir, tudo isso, o porvir, trazia para o homem esta necessidade do subsistir, do labutar, do persistir em morrer diariamente por uns míseros tostões. Odiava o trabalho. em salvador havia trabalhado como tipógrafo em um jornal onde dormia, e com esta atividade pagava sua estada ali e algum alimento escasso. Aprendeu a racionar os víveres necessários desta maneira sórdida; em troca de pão, apertava o prelo diuturnamente. O homem, em sua visão, deveria trabalhar quando esta fosse sua vontade íntima, realmente determinação psicológica, natural, e não uma imposição cruel e abjeta. Quando, nas manhãs de expediente para alguns, acordava tarde e via de sua janela as pessoas a ir de um lado para outro, apressadas, atrasadas, sentia prazer em estar em condição oposta, acordando àquela hora, depois de uma noite de esbórnia. Encontrava-se muitas vezes em grau avançado de felicidade em perceber que, naquele momento, não precisava dar explicações a nenhum patrão sobre algum eventual atraso, ou pedir de maneira humilhante uma saída para resolver assuntos particulares, sendo agredido em ambos os casos por alguém que achava-se dono da vida, dos anseios, das vontades , das mentes das pessoas. A Rua dos Judeus era agradável. Abelardo estivera ali várias vezes, trafegando pelos bares e becos; as pessoas do lugar não o conheciam, e isto era bom, poderia trazer para seu quarto suas “distrações anti-solidão” como ele mesmo gostava de dizer. Meira ainda estava fixo em suas idéias... depois de tantos momentos de catarse mútua, de apego, de sentimentos maravilhosos, o rapaz simplesmente sai de cena e o abandona como a um cão desvalido. Ele já deveria estar preparado para as desventuras do amor, não era mais um inocente iniciante nesta arte, foi pego desarmado por este turbilhão avassalador de sensações produzidas à revelia, sem nenhum escrutínio seu. Amava Meira de forma incondicionada, sem máscaras, sem dissimulações. A contrapartida? Este era o seu pior erro. Esperar tamanha vontade de amar do seu companheiro infiel, tirano, ás vezes agressivo e covarde. Sabia que tinha amantes várias, muitas delas convivas em sua mesa ou em eventos orgíacos que se davam. Mesmo assim, mesmo com estas circunstâncias tão dúbias em relação ao amor, aquele egoísmo e possessão do outro que tanto atrai ao maior dos altruístas, mesmo com estas permissividades, Abelardo o amava; não suportava sua ausência quando esta se tornava penosa e quase um abandono, ardia em febres dionisíacas quando, ao lado de seu Heféstion, satisfaziam-se em completa homogeneidade, em confusão de corpos quase fundidos pelo prazer. Hoje, inconfundivelmente sozinho, as reminiscências apenas trazem o vácuo, a sensação do um, de estar um apenas. Isto ia passar com brevidade, afinal, sua juventude estava em seu clímax, seus membros ociosos pediam articulação, exercício! Ele estava disposto a apagar este passado utilizando-se do presente em sua plenitude.

- Eis que vem lá o Santiago – grita Augusto, que o aguardava ansioso.
- Boa noite aos senhores, disse Santiago, retirando a casaca envelhecida que possuía – o que bebem?
- Gim de amêndoas, queres? Disse ao fundo Sotero, estudante de humanidades, ator e dramaturgo.
- Sim, por favor. Diz Santiago.
- Trouxeste o artigo? Augusto o questiona.
- Sim, encontra-se comigo. Desejo que os senhores verifiquem com ânimo esta causa, algo evidente em nosso meio e que não se luta para modificar – disse Santiago metendo a mão nos bolsos para encontrar o rascunho.
- Estamos com um pequeno folhetim sendo publicado. O nosso amigo Barnabé Souto, aquele que ontem mesmo estava conosco aqui, pois bem, seu pai possui uma pequena tipografia, e ele nos permitiu a tiragem de alguns exemplares para darmos início a nossa empreitada. Mas mostra-nos o que tens – disse Sotero.
Santiago achou o papel, já todo amassado, mas legível, onde ele começou a ler:
“Daquilo que chamam escravidão – desgraça das gentes negras do Brasil”
Em todos os países latino-americanos e no Norte do continente, esta infâmia teve fim, apenas em nosso rincão não se debate seriamente este assunto. E por quê? Devemos vislumbrar que todos ao nosso redor são Repúblicas, modo de governo e sociedade bem mais próximos de um ideal fraterno e digno do que as velhas monarquias européias cheias de comichão nobre, ainda paradas nos tempos medievais mais distantes. Nossos negros, maioria absoluta da população nacional, vivem como se não existissem humanamente, suas formas são de bestas, de asnos de carga, de cadelas prontas a se sujeitar aos caprichos sádicos de seus donos, não fazem parte da paisagem brasileira, não são considerados motores do país, são animais apenas. Sua religião, mais antiga que a da Sé de Olinda ou qualquer outra que exista, é vilipendiada e considerada demoníaca, suja, assim com sua culinária, esta que abastece aos estômagos dos brancos e a todos sacia com seus sabores maravilhosos. E o que nós, ditos intelectuais, estamos a fazer por esta gente? Estamos libertos dos preconceitos religiosos abjetos de Roma, olhamos para os negros e vemos gente, bonita gente da África, que esta aqui por imposição nossa, mas segue seu caminho na nova pátria, não querida, mas necessária. O que estamos fazendo? Quem se propõe a lutar por estes? Quando haverá liberdade para estes já tão fatigados seres que não querem outra coisa a não ser viverem em paz com os seus nesta nova terra? Lutemos! Façamos todo o possível, com nossas penas e nossas vozes, clamemos e lutemos sem cessar contra os abusos ultrapassados da escravidão absurda e cruel praticada com normalidade neste recanto americano, façamos com que a vergonha imposta aos negros, nossos irmãos, possa ser dissipada, e ainda mais, que haja indenização por parte do governo a estes, pelos anos de tirania, de despotismo, de aculturação colocada, pelo seqüestro de seus corpos de seu lugar de origem, pelo seqüestro de suas almas pela teofagia cristã ávida em angariar mulas para o seu serviço, pelo chicote lançado às costas e às ancas destes infelizes, façamos isto, senhores, e atenuaremos só um pouco a dor daqueles que sustentam nosso país. À luta!
Seguiu-se do final desta retórica aplausos inflamados, não só dos amigos de Santiago, mas das mesas próximas. O artigo, mais parecido com um discurso abrasador, estava dias depois sendo publicado no recente folhetim chamado “O Hebdomadário” , que trazia colocações dos colaboradores nas áreas da literatura, do discurso, da poesia, dos melhores lugares para se tomar um bom licor e apreciar boas mulheres, de teorias filosóficas, enfim, daquilo que se pode esperar de um circulo ativo de intelectualidade. Ainda sendo ovacionado, Santiago sentou-se e bebericou seu gim, a ouvir os comentários dos presentes.
- Maravilhoso, rapaz! Digno de um libertário. - disse Augusto.
- Senhores, escrevi este artigo, que vejo agradou a todos, para que seja usado em prol desta causa, façamos o que for preciso para que todos leiam, e também se questionem a respeito - Disse Santiago. Logo virão outros bem mais expressivos, e conseguiremos aqui em Recife esbofetear a escravidão e sua gente.
- Façamos então, mas antes disso, bebamos em homenagem ao homem das letras – bradou Sotero.
- Bebamos! Diziam todos.

Capítulo I


A noite estava bastante tranqüila em Recife no dia 18 de março de 18... Era uma sexta-feira, e as pessoas amontoavam-se nas calçadas dos sobrados para sentir o aroma suave do mar, ouvir as melodias distantes dos cafés, estes afastados dos lugares pobres das ruas do centro, ou simplesmente conversar sobre o dia de abastada labuta nas casas dos senhores distintos. Prosava-se de tudo nestes momentos de breve descanso: a madame distinta, de boa família pernambucana, casada com um velhote e às voltas enroscada com um belo rapaz entregador de jornais; as contas nas quitandas dos portugueses que já iam a perder de vista, assim como o aluguel dos pensionatos que estavam pela morte. Tratava-se também de amores, estes já desgastados por tantas lutas diárias, mas sempre presentes na existência destes, aliás, podia-se apenas contar com os amores e um pouco de sorte, que muito poucas vezes aparecia por aqueles recantos sujos dos becos recifenses. Vários cortiços já começavam a mudar a paisagem do bairro; alguns achavam aquilo um absurdo inaceitável. “Pobres e sem higiene, estes moribundos nos vêm a incomodar com suas feições cadavéricas e portes de bandidos, a nos encher as calçadas e a nos pedir indulgências diárias, isto não pode continuar assim”, diziam os mais exaltados e abastados defensores de um banimento daquela gente do centro do Recife. A igreja pouco se pronunciava a respeito disto, visto que seus fiéis mais assíduos eram justamente os mais sujos e famintos. “Contentem-se com a pobreza, meus filhos, e as dádivas celestiais lhes serão mais que suficientes. O dinheiro não traz mais do que dor e desconcerto espiritual. Contentem-se, contentem-se! ”- diziam os párocos a aconselhar os miseráveis – eles mesmos alimentados até a exaustão e vestidos com boa batina de algodão português. Neste cenário, num modestíssimo quarto de pensão à Rua da União, 33, vivia um jovem estudante, envolto naquelas mesmas questões. Santiago, este era seu nome, vivia mais na rua do que neste quadrado fétido de cortiço; tinha lá alguma mobília, conseguida por intermédio de alguns camaradas. Livros, estes tomavam boa parte do espaço, estavam em toda a parte, acumulados e sempre prontos a qualquer momento, pois o dono sempre os visitava a qualquer hora do dia ou da noite. Pouquíssimas roupas, muitas delas rotas e velhas, estavam no armário com pouco cuidado. Comia muito pouco. O jovem, já devedor de muitos aluguéis, ainda não possuía renda para conquistar a dignidade de comer com regularidade, dependendo da benevolência dos conhecidos e vizinhos para se alimentar de alguns restos. Seu único ofício : escrever. Era poeta, e nesta época os poetas eram vistos como arruaceiros, beberrões e galanteadores das mulheres alheias. E tudo isto era Santiago, e tudo isto, todas as agruras pelas quais ele passava, todas a aflições materiais, eram motivadas justamente por conta desta sua propensão artística, desta sua vontade de libertar-se,da maravilhosa manifestação da juventude em suas veias, dos arroubos criativos castrados pelos círculos sociais em que vivia antes deste período de escassez. Vejamos lampejos de sua vida pregressa.
Santiago Alves de Azevedo, rapaz de seus 25 anos, nascido já naquele contexto recifense, era estudante brilhante e promissor, certamente com carreia garantida no magistério ou em algum órgão público. Sua família, de comerciantes locais, constava de hábitos dos quais Santiago abominava: seu pai, o temível Afonso Alves de Azevedo, estabelecia uma verdadeira tirania domestica em torno de sua mulher, dona Josefa Dias, e sua filha, Dominica. A clausura imposta por este rancoroso negociante era infernal e absurda; ninguém poderia visitar sua mulher e filha sem prévio consentimento do dono da casa, não eram bem-vindas, segundo ele, pois traziam da rua toda espécie de mexericos inúteis e novidades sociais que ele não tolerava. Aliás, tudo o que era novo, em qualquer aspecto, seja este social, político, religioso, era tido como desprezível e digno de repulsa pelo Sr. Afonso, católico extremamente praticante e fiel as diretrizes da Sé local e da monarquia vigente. É claro que pecava. À noite, quando suas vitimas estavam a dormir, saía pelos lugares mais impróprios a um carola freqüentar, com as damas mais infiéis aos princípios canônicos. Dava-se lá a estes prazeres tão caros a ele, e voltava em surdina do final da noite, deitava-se ao lado de sua mulher e ali, como a importuná-la, insistia em intimidades que até pouco estava a deliciar-se, mas que não pretendia deixar de degustar. Dona Josefa, esta era uma verdadeira mulher de fibra, apesar de sua pusilanimidade. Casara-se aos 15 anos, e desde então sua vida tornara-se um tormento sem fim. Abdicou de uma vida confortável na fazenda de seu pai, o comendador José Felipe Domingues, homem muito bem quisto pela elite fazendeira de vitoria de Santo Antão, pai atencioso e marido dedicado. Dona Josefa, feliz neste estado de coisas, conheceu o Sr. Afonso, melhor dizendo, a família deste, num jantar oferecido pela associação de fazendeiros locais num verão de... ; lembra-se muito bem dos modos altaneiros do marido, naquela época um rapazola, filho também de proprietários rurais não tão bem sucedidos quanto os pais dela, mas que estava, naquele evento social, garimpando boas relações com as famílias distintas e abastadas para um bom casamento de seu filho único. Emerenciana Azevedo e Paiva bastos Azevedo, seus pais, procuravam este partido ideal, com uma determinação obstinada, ate que finalmente deu-se o encontro. Arranjaram-se os detalhes e o casamento deu-se ali por aqueles tempos, indo dona Josefa sair de seu lar paterno e cair nas mãos de um homem de fortes temperamentos,dado à extravagâncias sexuais e, ao mesmo tempo e paradoxalmente, enorme senso de pudor . Ela ainda hoje recorda-se destes fatos, não com saudosismo, mas com ares de que não teve escolhas nesta vida, e que o que mais deveria fazer era resignar-se de pronto àquela situação já tão costumeira, tantas vezes vivida e tantas vezes odiada. Santiago, sempre que a via chorar pelos cantos, a alertava para que mudasse o destino de sua existência, afirmando que aquilo não era vida, que a mulher deveria estabelecer limites ao marido, que a casta suja da sociedade determinava tais atos abjetos, tudo em vão. D. Josefa não possuía forças para um levante, não naquelas circunstâncias, não mais. Falemos de Dominica. Esta, moça pacata e serena, filha mais nova do casal, era para Santiago como um bibelô, algo puro e frágil, que vivia naquela casa esdrúxula as agruras do pai e os lamentos da mãe, a contaminar-se com estas pendengas cotidianas. Havia estudado em excelentes colégios, e, assim como o irmão, tinha certo gosto pelas letras, certa iluminura para aquilo que se trata com as emoções textuais, da universalidade que a palavra proporciona ao homem. As leituras dos clássicos da época, que Santiago a incentivava a contrair, lhe davam um olhar diferente sobre a vida, aquele vislumbre do movimento que estava já estava tão arraigado nos círculos intelectuais, aquele torpor sentimental, todo o idealismo e a vontade de aventurar-se, de mudar a opinião, tudo aquilo que estava em voga passava pela alcova desta jovem que tinha, nos livros, seu estado natural, sua vida sem máculas, sem o estrago que a realidade de seu lar insistia, vez ou outra, incutir-lhe. Santiago previa algo para a irmã, ela não poderia viver “naquele antro de involução humana, onde o velho e o roto eram sacralizados, divinizados, com deuses reais”. Ele aguardava o dia em que as mulheres seriam libertas de toa ignomínia, tal desprezo, tal humilhação, seriam livres, independentes, teriam seus amores de livre vontade, escolheriam suas tragédias e alegrias, decidiriam sobre seus filhos, gerá-los ou não, seus amantes, os satisfariam ou não, enfim, aquele dia não tardaria a chegar, e certamente Dominica seria inserida neste contexto.





Santiago havia saído da Rua da União às 18:35, seguindo em direção à Avenida Rio Branco, para encontrar-se ali co alguns amigos. Estes, sempre presentes, eram o porto seguro do poeta, agüentavam os momentos de impedimento criativo, vindo em seqüência instintos de nulidade destrutiva, bebedeiras, entorpecimento artificial, insultos. Todos sabiam da genialidade do bardo, por isso, toleravam com alegria estes arroubos. Devido ao comportamento incomum de seu pai, a família havia perdido várias oportunidades de negócios, e as dividas contraídas elevavam-se demasiadamente. Santiago, que nutria pelo pai apenas desprezo e ojeriza pelos seus extremismos, havia renegado tudo aquilo em nome da liberdade que acreditava existir fora daquela prisão domiciliar, e saiu de casa resoluto a não mais voltar, a não ser que sua mãe ou irmã estivessem a passar por perigos iminentes. Livre pensador que era, recusara-se a permanecer em mesmo teto que aquele seu progenitor arcaico e maléfico, dono das piores estirpes, e que constantemente vinha importuná-lo com indagações sobre sua vida, seus costumes estudantis e suas saídas boêmias; Santiago sabia das incursões do pai aos cabarés do centro, o havia visto varias vezes a circular com as mesmas putas que, dias antes, ele mesmo, Santiago, havia se deitado, mas na espreita não o abordava, apenas o observava de longe. O pai havia prometido que não mais o ajudaria pecuniariamente, e que seus estudos seriam custeados pelo próprio Santiago, “seja lá como fosse, não darei um só tostão de meus bolsos a você, ingrato!” esbravejava o Sr. Afonso, furioso. “Não desejo nada, a não ser respirar os bons ares da rua, onde os bêbados se amontoam e as prostitutas dedicam-se a amparar as lágrimas dos desgraçados ” dizia Santiago, sem obedecer aos apelos de sua mãe para que se calasse diante do pai, e assim se deu.










continua...

Escrever sempre foi uma de minhas maiores vontades. Ao ler os grandes nomes da literatura no mundo, percebi que esta forma de comunicação era apropriada para mim, uma vez que não sou muito comunicativo pessoalmente. A forma de transmissão de sentimentos e análises sobre a vida e sobre o que nos acomete em nossa jornada pela existência proporcionada pela literatura é fantástica e emocionante; dar vida a estas sentimentalidades, experimentar formas, estéticas, trabalhar personagens e dar vida aos mesmos, tudo isso é instigante, e desde criança sempre fui inflado a seguir tais desígnios . Hoje, ao preparar meu primeiro romance, as dúvidas e incertezas são evidentes. Mas concluo com os mestres que a primeira coisa a fazer é deixar que as palavras nos capturem, nos escravizem, estar aberto aos códigos que elas nos colocam. A observação é outro ponto importante. Não há escritor que pretenda escrever algo interessante e que não se permita analisar suas cercanias, sua vizinhança, e dali retirar estes códigos textuais, com os quais a realidade se mostra em crueza. O escritor é o decifrador, o grande intérprete desta natureza léxica, que está em todos os lugares, mas acessível apenas a estes iniciados. Pretendi orientar-me por estas vertentes, e o que gostaria de apresentar neste espaço é uma tentativa sóbria de interpretação da realidade ao meu redor, onde o personagem , esteja ele nos tempos idos de Roma ou nos atuais de crise econômica, aborde sempre as propostas humanas, sua universalidade, sim , pois estamos ligados por esta universalidade sentimental, emotiva, coisa que a literatura já se consagrou em apresentar. O leitor, parte importante desta relação tríplice, a saber - escritor, texto e leitor - é o conector final, recebe estas impressões decodificadas e se nutre delas, identificando-se ou não com as abordagens transmitidas. As linguagens textuais serão diversas e frequentes neste espaço. Prosa, verso, crônicas, enfim, toda a manifestação literal poderá ter seu recanto aqui. O autor não pode se limitar a um estilo interpretativo; as palavras decidem qual a forma mais adequada de mostrarem-se, e o autor deve estar preparado e experimentado para obedecer, sempre, a estes chamados, como um profeta a ouvir atentamente a voz celestial e a traduzí-la, compartilhando com os demais as beneces divinas. Vamos em frente...